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Depois de conhecer toda a história do rugby nos Jogos Olímpicos e entender o seu retorno ao quadro de esportes da competição, neste capítulo vamos contextualizar o cenário brasileiro. Tupis (apelido da seleção masculina) e Yaras (como é chamada a seleção feminina) tiveram a oportunidade de disputar a edição de 2016 como país-sede. Um registro importante na história do rugby brasileiro. Os homens ficaram com uma esperada última colocação (12°), enquanto as mulheres alcançaram um honroso 9° lugar.

Os adjetivos para as respectivas campanhas não são à toa. O rugby feminino é superior ao masculino no Brasil. Quem sugere isso são os números e títulos que cada seleção conquistou desde sua formação. Enquanto a principal campanha dos Tupis é uma quarta colocação no Pan-Americano de 2019, em Lima, no Peru, as Yaras levantaram o troféu do Sul-Americano em todas as dezessete edições do torneio, que ocorre desde 2004.

Essa hegemonia regional, segundo o editor-chefe do Portal do Rugby, Victor Ramalho, é construída a partir de um atraso histórico que o rugby feminino da América do Sul teve em comparação a outros lugares do mundo. “O sul-americano só aconteceu por uma pressão ‘de cima’ (a International Rugby Board, atual World Rugby), porque o esporte tinha um projeto de ser olímpico. Para isso precisava ter o feminino em todos os continentes. Aqui não tinha nada e sabia-se da Copa do Mundo em 2009. Então era necessário criar algo rapidamente”, conta.

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Yaras comemoram título do Hong Kong Sevens em 2019 e garantir a vaga na World Rugby Sevens Series 2019/20.
Foto: Mike Lee - KLC fotos for World Rugby

O jornalista acredita que qualquer seleção naquele momento poderia ter saído vitoriosa, mas que a comissão técnica bem montada, o elenco comprometido e a qualidade das jogadoras, foram fatores que levaram o Brasil ao título. Para ele, a chancela de campeão evidenciou a modalidade internamente, afinal, era a primeira vez que o rugby brasileiro vencia um campeonato importante. Até aquele momento, o único triunfo era um Sul-Americano B, do rugby XV masculino.

Victor aponta que o Brasil aproveitou também um machismo histórico que potências do rugby masculino tiveram com o seu feminino. Argentina, Uruguai e Chile são os exemplos citados pelo historiador. “Não é coincidência que Colômbia e Venezuela competiram por muito tempo com as argentinas como segunda força da região. Dos 100 maiores clubes da Argentina, dois ou três têm rugby feminino. As uruguaias competem com a Costa Rica como a pior seleção. O Peru, com o Pan-Americano e os investimentos no esporte, já passou as chilenas”, afirma.

Além dos 17 títulos sul-americanos, as Yaras se estabeleceram há um bom tempo no top 15 mundial. Presentes nas três Copas do Mundo da modalidade, elas acumulam um 10º lugar, em 2009, e dois 13º lugares, em 2013 e 2018. O saldo na competição é de seis vitórias (África do Sul, Papua Nova Guiné, Fiji, Tailândia, Uganda e Rússia) e oito derrotas (Japão, EUA, Canadá 2x, Espanha 2x e China 2x). Em circuitos mundiais, são oito participações em oito edições, totalizando 30 etapas. O 9º lugar geral, da temporada 2013/2014, foi o melhor resultado conquistado.

Quem viveu boa parte deste recorte histórico foi Paula Harumi Ishibashi (35), mais conhecida como “Paulinha Ishibashi”, ícone da seleção feminina de rugby entre os anos 2003 e 2018, atualmente atuando pelo SPAC, equipe de São Paulo. Após 15 anos representando o país na modalidade, acumulou 13 títulos sul-americanos, duas participações em Copas do Mundo (2009 e 2013), uma medalha de bronze no Pan-Americano de Toronto (2015), uma Olimpíada como capitã da equipe (Rio 2016), além de diversos prêmios individuais, dentre eles, eleita duas vezes pelo COB a melhor atleta do país (2012 e 2015).

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Ishibashi em jogo contra a Argentina, pelo Pan-americano de 2015.
Foto: Al Milligan/Fotojump

Com o vasto currículo, Ishibashi lembra do início desse caminho. “A gente não tinha nenhum parâmetro de quem íamos enfrentar. Não conhecíamos as meninas (adversárias), elas também não conheciam a gente. Ouvíamos falar que a Venezuela era favorita, por estar jogando em casa, porque já possuíam um histórico de rugby XV. Então essa era a nossa referência. A gente acabou vencendo elas na final em um jogo bem duro”, conta.

A partida em que Paulinha se refere ocorreu em 21 de novembro de 2004, no estádio Farid Richa, na cidade de Barquisimeto, na Venezuela. Foi nele que a seleção feminina venceu por 15 a 10 e se sagrou a primeira campeã sul-americana de rugby sevens feminino da história. Aquela campanha contou ainda com vitórias fáceis sobre Colômbia (42 a 0), Paraguai (51 a 0), Uruguai (33 a 0) e Argentina (33 a 0). Para a jogadora, havia diferenciais na seleção brasileira que foram fundamentais na consolidação da hegemonia.

“O nosso diferencial, por muito tempo, foi a habilidade e um certo condicionamento físico. As outras meninas (adversárias) sempre foram muito grandes, enquanto tínhamos atletas mais ágeis e habilidades de passe muito afiadas. O Flávio (Santos), nosso treinador, sabia exatamente o que precisávamos para cada posição. Então, em relação à velocidade, resistência, ele conseguiu reunir o que tinha de melhor para a época, além de estratégias para trabalhar bem a bola”, afirma.

Referência para a nova geração da seleção, Ishibashi brinca ao comparar os períodos. “Hoje eu assisto os jogos da nossa época e acho horrível (risos) comparando com o agora. ‘Meu Deus que lentidão’. Mas dávamos conta do recado e jogávamos muito bem”, afirma. Já em tom crítico, a atleta evidencia que atualmente existe um rugby sistemático e que sente falta do que seria uma maior liberdade para tomadas de decisão.

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Ishibashi em jogo pelo Brasil contra a China, na World Rugby Sevens Series, em 2015. Foto: Lorne Collicutt/World Rugby

“Havia muito instinto para explorar os espaços, se comunicar e apoiar. Depois da centralização no Alto Rendimento, muitas meninas apareceram com pouca experiência de clube. Aprenderam rugby dentro do sistema e assim entendem do sistema e carecem do jogo. Aí na partida, quando as ações não se repetem como nos treinos, parece que dá uma pane e não conseguem tomar as ações não programadas”, explica.

Com conhecimento de causa, Paulinha Ishibashi e outras jogadoras de rugby sevens que marcaram época na seleção pegaram o início do Sistema de Alto Rendimento no país já com bastante experiência dentro do esporte. Tal modelo foi importado de outros centros do rugby mundial no período pré-Olimpíada do Rio, quando havia mais investimentos dentro do esporte e o suporte ao rugby foi introduzido com reflexos na modalidade até hoje.

É o que aponta Victor Ramalho sobre a política da CBRu. “(Após Rio 2016) o sevens masculino continua não sendo prioridade. Ela entende que a prioridade é o XV, porque já começamos muito atrás dos demais (Chile, Uruguai e Argentina). O início da profissionalização do esporte no país até começou pelo sevens, mas, em 2015, mudou com o novo entendimento. No feminino, não mudou nada, o sevens continua totalmente prioritário. O XV é amador e não tem competições na América do Sul”, contextualiza.

A partir disso, é possível mensurar a diferença de reputação do sevens feminino para o masculino. Se as Yaras nascem campeãs em 2004, os Tupis iniciam sua trajetória em 1996, e, após 24 anos, conquistaram apenas um Sul-Americano B, que não é orgulho para um país tão grande como o Brasil. Campanhas de destaque mesmo, foram dois vice-campeonatos. O primeiro em 2004, nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2005, e o segundo em 2019, no pré-olímpico da América do Sul, que dava vaga direta à Olimpíada de Tóquio ao campeão.

Tal histórico coloca a quarta colocação no Pan-Americano de 2019, em Lima, no Peru, como o principal feito da modalidade até aqui. A campanha iniciou com um empate contra o Chile em 14 a 14. Depois veio o triunfo sobre Guiana (59 a 0) e a surpreendente vitória sobre os Estados Unidos (14 a 10). O resultado classificou o Brasil e eliminou os chilenos, velho carrasco. Na semifinal, derrota normal para o Canadá (5 x 35) e na disputa pelo bronze, um novo encontro contra os norte-americanos, que terminou empatado em 19 no tempo normal. A derrota foi sacramentada na prorrogação, terminando em 19 a 24 para os "Eagles".

Quem evidencia os feitos recentes de superação do masculino nos últimos anos é Daniel Xavier Danielewicz (37), conhecido no esporte como “Nativo”. Camisa 2 da seleção brasileira masculina de rugby XV entre 2002 e 2017, e por um longo período desta década como capitão, o ícone e atual treinador de scrum da CBRu só tem elogios para a evolução do esporte no país que, segundo o próprio, melhorou após a sua aposentadoria.

Nativo defende a política atual da CBRu para o masculino e para ele não existem distinções de tratamento entre categorias. “Eu acho que a CBRu foca nas duas seleções. O sevens é reflexo de um bom XV nosso. Desenvolvendo o XV é desenvolver o sevens. O contrário não. Ano passado chegamos em 4º no Pan-Americano. Foi detalhe para não ganhar medalha. (No XV) Fizemos dois grandes jogos recentes contra All Blacks Maori e Barbarians. Infelizmente hoje não temos ‘lastro’ para as duas modalidades separadamente”, afirma.

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Nativo é carregado nos braços dos colegas de time, após vitória contra o Paraguai, em maio de 2017. Esse foi o último jogo do atleta pela seleção brasileira. Foto: Divulgação CBRu

Leve aumento de investimento e futuro incerto

Após a campanha na Olimpíada do Rio 2016, que terminou sem medalhas, mas com a sensação de dever cumprido, o rugby brasileiro recebeu um aumento de investimentos repassados pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Em 2015, o esporte recebeu R$2,3 milhões, enquanto em 2019, subiu o montante para pouco mais de R$2,5 milhões, um acréscimo de 8,54%.

Esse valor total coloca a CBRu na 22ª colocação entre 35 confederações beneficiadas, a frente de: Golfe, Badminton, Remo, Hóquei sobre Grama e Indoor, Desportos no Gelo, Triathlon, Basquete, Beisebol e Softbol, Desportos Aquáticos, Taekwondo, Escalada Esportiva, Surfe e Karatê. Para Victor Ramalho, a tendência é de uma diminuição de investimentos do COB com o passar dos anos e a manutenção da política atual.

“O Comitê vai perder dinheiro com o passar do tempo. O Rio 2016 já não está mais aí para puxar o investimento e claramente a política do esporte não é prioritária no país. A tendência do COB é sofrer. As condições de trabalho futuras a gente não sabe, principalmente com o coronavírus. Houve alguns cortes de apoio a atletas. Isso fará com que o feminino continue focado no sevens e o masculino priorize ainda mais o XV”, afirma.

Para Paulinha Ishibashi, a preocupação é também com o rendimento da seleção feminina nas últimas temporadas. Após recente renovação da equipe, a atleta do SPAC (Clube Atlético São Paulo) lembra que o Brasil foi ultrapassado por algumas seleções que havia conseguido superar anos atrás, prega cautela ao não colocar pressão demais às novas meninas, mas liga um sinal de alerta para o momento.

“Havíamos superado Irlanda e Japão algumas vezes, então estamos em uma fase que necessita atenção. Toda transição tem algum tipo de reflexo, mas perdemos a hegemonia na América do Sul com a perda da medalha de bronze no Pan 2019 para a Colômbia, equipe que não havíamos perdido ainda. Não questiono a entrega ou a dedicação das meninas, mas alguma coisa está acontecendo. Jogar a responsabilidade nelas também não é a solução. Tem que trabalhar o porquê de não conseguir manter essa hegemonia”, analisa.

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Yaras em jogo do Pan-Americano de Lima, em 2019, contra as mexicanas. Foto: Divulgação CBRu

Na atual temporada do circuito mundial, encerrado pelo coronavírus, a seleção feminina fez boas partidas contra potências, como EUA, Austrália e Inglaterra, mas não conseguiu capitalizar vitórias. Com isso, ficou na 12ª e última colocação, sem ter vencido nenhuma das quatro partidas contra as irlandesas, nas cinco etapas disputadas. China e África do Sul, que foram convidadas para uma etapa, tiveram participações melhores que as Yaras. Entretanto, não foram rebaixadas ao Challenger feminino por decisão da WR.

Já os Tupis, disputaram esse campeonato, referente a “segunda divisão” do circuito mundial masculino. Após duas etapas e com uma equipe bastante jovem, a seleção brasileira foi a lanterna em ambas (15º colocado). As derrotas para Zimbábue, México, Colômbia, Uganda e Jamaica, foram cruéis pensando em aspecto mundial. Entretanto, a equipe está classificada para o último pré-olímpico pelo vice-campeonato conquistado em 2019. Como diria Victor, precisará de um milagre. Já as mulheres estão classificadas e apenas aguardam o sorteio de suas adversárias.

Rugby de clubes: o calcanhar de Aquiles

Se a CBRu destina praticamente toda a sua gestão para o Sistema de Alto Rendimento das seleções, o rugby de clubes ainda é extremamente frágil no Brasil. Os campeonatos denominados Super Sevens são tão questionáveis em organização, que arrancam as piores críticas do especialista do Portal do Rugby. O jornalista é enfático ao dar sua opinião sobre as categorias.

Victor Ramalho avalia o rugby de clubes
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